35 anos para ser feliz
Uma notinha instigante na Zero Hora de 30/09: foi realizado em Madri o Primeiro
Congresso Internacional da Felicidade, e a conclusão dos congressistas foi que
a felicidade só é alcançada depois dos 35 anos. Quem participou desse
encontro? Psicólogos, sociólogos, artistas de circo? Não sei. Mas gostei do
resultado.
A maioria das pessoas, quando são questionadas sobre o assunto, dizem: "Não
existe felicidade, existem apenas momentos felizes". É o que eu pensava
quando habitava a caverna dos 17 anos, para onde não voltaria nem puxada
pelos cabelos. Era angústia, solidão, impasses e incertezas pra tudo quanto era
lado, minimizados por um garden party de vez em quando, um campeonato de
tênis, um feriadão em Garopaba. Os tais momentos felizes.
Adolescente é buzinado dia e noite: tem que estudar para o vestibular, aprender
inglês, usar camisinha, dizer não às drogas, não beber quando dirigir, dar
satisfação aos pais, ler livros que não quer e administrar dezenas de paixões
fulminantes e rompimentos. Não tem grana para ter o próprio canto, costuma
deprimir-se de segunda a sexta e só se diverte aos sábados, em locais onde
sempre tem fila. É o apocalipse. Felicidade, onde está você? Aqui, na casa dos
30 e sua vizinhança.
Está certo que surgem umas ruguinhas, umas mechas brancas e a barriga
salienta-se, mas é um preço justo para o que se ganha em troca. Pense bem:
depois dos 30, você paga do próprio bolso o que come e o que veste. Vira-se
no inglês, no francês, no italiano e no iídiche, e ai de quem rir do seu sotaque.
Não tenta mais o suicídio quando um amor não dá certo, enjoou do cheiro da
maconha, apaixonou-se por literatura, trocou sua mochila por uma Samsonite e
não precisa da autorização de ninguém para assistir ao canal da Playboy. Talvez
não tenha se tornado o bam-bam-bam que sonhou um dia, mas reconhece o
rosto que vê no espelho, sabe de quem se trata e simpatiza com o cara.
Depois que cumprimos as missões impostas no berço — ter uma profissão,
casar e procriar — passamos a ser livres, a escrever nossa própria história, a
valorizar nossas qualidades e ter um certo carinho por nossos defeitos. Somos
os titulares de nossas decisões. A juventude faz bem para a pele, mas nunca
salvou ninguém de ser careta. A maturidade, sim, permite uma certa loucura.
Depois dos 35, conforme descobriram os participantes daquele congresso
curioso, estamos mais aptos a dizer que infelicidade não existe, o que existe
são momentos infelizes. Sai bem mais em conta.
A DOR QUE DÓI MAIS
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o
tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na
quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que
mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que
já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de
uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos
cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele,
do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você
podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você
podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas
quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe
como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno.
Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa
a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista
como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem
assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela
aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela
continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando,
se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais
compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento,
não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como
vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela
está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais
querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
A IMPONTUALIDADE DO AMOR
Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois
pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje,
bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.
Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por
telepatia. Amor não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do
esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para
relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde
demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O
amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa?
Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que
você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora
que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de
jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.
O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. Você
passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal
repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado
porque não foi pra praia no final de semana. Toda a sua turma está lá,
azarando-se uns aos outros. Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você
busca refúgio numa locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora,
irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida. O amor é que nem
tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar
no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco,
pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro
de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O
amor está em todos os lugares, você que não procura direito.
A primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é
imprevisível. Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de velas, no dia
dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia
clichês. Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às quatro da tarde, depois
de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de
motorista, depois de aprovado no teste de baliza. Idealizar é sofrer. Amar é
surpreender.