31
Mar 09

 

 
"Não me deem fórmulas certas,

porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim,

porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou,

não me convidem a ser igual,

porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade,

não sei viver de mentiras,

não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma,

mas com certeza não serei

a mesma pra sempre!

Gosto dos venenos mais lentos,

das bebidas mais amargas,

das drogas mais poderosas,

das ideias mais insanas,

dos pensamentos mais complexos,

dos sentimentos mais fortes.

Tenho um apetite voraz

E os delírios mais loucos.

Você pode até me empurrar de um penhasco

que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!".



CLARICE LISPECTOR
publicado por encontromarcado às 12:45


Na ideologia dominante, todo mundo quer viver melhor e desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Comumente associa esta qualidade de vida ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada pais. O PIB representa todas as riquezas materiais que um país produz. Se este é o critério, então os países melhor colocados são os Estados Unidos, seguidos do Japão, Alemanha, Suécia e outros. Este PIB é uma medida inventada pelo capitalismo para estimular a produção crescente de bens materiais a serem consumidos.
 
Nos últimos anos, dado o crescimento da pobreza e da urbanização favelizada do mundo e até por um senso de decência, a ONU introduziu a categoria IDH, o "Índice de Desenvolvimento Humano". Nele se elencam valores intangíveis como saúde, educação, igualdade social, cuidado para com a natureza, equidade de gênero e outros. Enriqueceu o sentido de "qualidade de vida" que era entendido de forma muito materialista: goza de boa qualidade de vida quem mais e melhor consome.

Leonardo Boff

Consoante o IDH a pequena Cuba apresenta-se melhor situada que os EUA, embora com um PIB comparativamente ínfimo.
 
Acima de todos os países está o Butão, espremido entre a China e Índia aos pés do Himalaia, muito pobre materialmente mas que estatuiu oficialmente o "Índice de Felicidade Interna Bruta". Este não é medido por critérios quantitativos mas qualitativos, como boa governança das autoridades, eqüitativa distribuição dos excedentes da agricultura de subsistência, da extração vegetal e da venda de energia para a Índia, boa saúde e educação e especialmente bom nível de cooperação de todos para garantir a paz social.
 
Nas tradições indígenas de Abya Yala, nome para o nosso Continente indioamericano ao invés de "viver melhor" se fala em "bem viver". Esta categoria entrou nas constituições da Bolívia e do Equador como o objetivo social a ser perseguido pelo Estado e por toda a sociedade.
 
O "viver melhor" supõe uma ética do progresso ilimitado e nos incita a uma competição com os outros para criar mais e mais condições para "viver melhor". Entretanto para que alguns pudessem "viver melhor" milhões e milhões têm e tiveram que "viver mal". É a contradição capitalista.

Contrariamente, o "bem viver" visa a uma ética da suficiência para toda a comunidade e não apenas para o indivíduo. O "bem viver" supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrenal que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais; é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com Deus.
 
A preocupação central não é acumular. De mais a mais, a Mãe Terra nos fornece tudo que precisamos. Nosso trabalho supre o que ele não nos pode dar ou a ajudamos a produzir o suficiente e decente para todos, também para os animais e as plantas. "Bem viver" é estar em permanente harmonia com o todo, celebrando os ritos sagrados que continuamente renovam a conexão cósmica e com Deus.
 
O "bem viver" nos convida a não consumir mais do que o ecossistema pode suportar, a evitar a produção de resíduos que não podemos absorver com segurança e nos incita a reutilizar e reciclar tudo o que tivermos usado. Será um consumo reciclável e frugal. Então não haverá escassez.
 
Nesta época de busca de novos caminhos para a humanidade a idéia do "bem viver" tem muito a nos ensinar.

* Teólogo, filósofo e escritor

 

 

publicado por encontromarcado às 12:44

12
Mar 09


 

 Excomungamos todos aqueles que multiplicam sua renda através da especulação financeira, principais responsáveis pela crise atual, com todos os males que ela provoca, tornando mais miseráveis os pobres e mais poderosos os ricos...
Excomungamos todos os "paraísos fiscais", onde o trabalho da imensa multidão anônima se converte em ouro, em dólares e em capital para uso de poucos...

Excomungamos o sistema capitalista de produção e sua filosofia liberal que, ao longo da história, se nutre da exploração dos recursos naturais, do trabalho humano e do patrimônio cultural dos povos...

Excomungamos todos aqueles que acumulam fazenda sobre fazenda, casa sobre casa, criando imensos latifúndios improdutivos ou mansões vazias, ao lado de milhões de pessoas famintas e sem terra e sem teto...

Excomungamos os responsáveis pelos assassinatos no campo e na cidade, não somente os que empunham a arma do crime, mas com maior razão os que pagam para matar...

Excomungamos todos os políticos que, apoiados pelo voto popular, usam do poder em benefício próprio e de seus apadrinhados, traindo aqueles que o elegeram e corrompendo os canais da participação popular...

Excomungamos todo Estado que alimenta um exército de soldados e burocratas e, ao mesmo tempo, deixa cada vez mais precários os serviços públicos, substituindo-os com políticas compensatórias...

Excomungamos todos os traficantes de droga, de pessoas humanas ou de órgãos humanos, que mercantilizam a vida e causam a destruição da família e de todos os laços fraternos de solidariedade...

Excomungamos todas as milícias paramilitares e a "banda podre" das polícias porque, a cada ano, ceifam a vida de milhares de jovens e adolescentes...

Excomungamos todos os tiranos que a ferro e fogo ainda reinam sobre a face da terra, assentados em tronos de ouro, construídos com o sangue, o suor e as lágrimas de seus súditos...

Excomungamos todos os mega-projetos, agro e hidro negócios, que devastam a natureza, contaminam o ar e as águas e, no afã de acumular poder e riqueza, reduzem drasticamente a biodiversidade sobre o planeta Terra...

Excomungamos todos os pedófilos, estupradores, sequestradores e seus cúmplices que não só escandalizam os inocentes, mas os convertem em objeto de prazer e de lucro...

Excomungamos a violência do homem sobre a mulher e as crianças, não raro encoberta pela inviolabilidade do lar e da família e que, aos milhões, esconde hematomas, cicatrizes e traumas sem remédio...

Excomungamos os que fazem de seus carros uma arma que fere, mutila e mata e que seguem impunes pelas ruas com suas máquinas velozes e letais...

Excomungamos todo tipo de exploração do trabalho humano, transformando mulheres e homens em peças descartáveis de uma engrenagem que se alimenta de carne humana...

Excomungamos todo sistema prisional que, pela superlotação, pelos abusos e pela tortura, avilta a pessoa humana e faz da prisão uma verdadeira escola do crime...

Excomungamos todas injustiças e assimetrias realizadas em nome da "democracia liberal", pois a história tem sido testemunha de que essas duas expressões são incompatíveis...

Pe. Alfredo J. Gonçalves *
* Assessor das Pastorais Sociais.

 

 
 

publicado por encontromarcado às 11:30


Em ato exemplar, esperado da Justiça brasileira por muitos anos, o Juiz Federal de Marabá, Carlos Henrique Borlido Haddad, despachou no último dia 5 de março, 32 sentenças em ações penais movidas por prática de trabalho escravo, um crime definido pelos artigos 149, 203 e 207 do Código Penal. Em 26 sentenças condenatórias, 27 pessoas receberam penas que variam entre três anos e quatro meses e 10 anos e seis meses de prisão, com média de cinco anos e quatro meses: são quase todos proprietários do sul e sudeste do Pará, além de alguns gerentes e agenciadores de mão-de-obra. Outras oito pessoas, em seis ações, foram absolvidas.

À origem dessas ações estão 32 fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho entre os anos 1999 e 2008, libertando cerca de 500 escravos (sendo 431 somente nas terras dos réus hoje condenados), em atividades de desmatamento, roço de pasto e carvoaria, em propriedades localizadas principalmente nos municípios de Itupiranga, Marabá, São Felix do Xingu, Rondon do Pará e Rio Maria. Metade das denúncias foi colhida pela CPT junto a trabalhadores fugitivos procurando socorro.

Paradoxo? Consta no rol dos atuais condenados o gerente da fazenda Lagoa das Vacas, em São Félix do Xingu, cujo dono, Aldimir Lima Nunes, vulgo ‘Branquinho’, ganhou Habeas Corpus junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 28/06/2007 após condenação à prisão pela mesma Justiça Federal de Marabá, pelo mesmo crime e por crimes agravantes (incluindo ameaças de morte contra autoridades e contra agentes da CPT).

Embora passíveis de recursos cuja tramitação poderá gastar anos, tais sentenças criminais constituem uma verdadeira revolução no panorama de impunidade irrestrita de que se beneficiaram até hoje os escravagistas modernos no Brasil, uma situação amplamente denunciada nacional e internacionalmente e que só começou a ser revertida após a decisão do STF, em 30/11/2006, atribuindo à Justiça federal a competência para julgar este crime.

A indefinição que prevalecia até então garantia aos réus a possibilidade de recursos sem fim, até conseguir a prescrição do crime. Em virtude dessa brecha legal mantida por décadas com o consentimento do Judiciário, centenas de criminosos deixaram de ser julgados, muitos deles reincidindo mais de uma vez no mesmo crime. Menos de dez deles receberam pena privativa de liberdade.

Na ausência de possibilidade legal de confiscar a propriedade de tais criminosos (enquanto o Congresso protelar a aprovação da PEC 438/2001), as únicas punições aplicadas até hoje têm resultado de condenações pecuniárias pronunciadas pela Justiça do Trabalho ou dos efeitos dissuasivos oriundos da inclusão dos proprietários na "Lista Suja", frustrando dramaticamente as metas da política nacional de erradicação do trabalho escravo.

Das 445 fiscalizações realizadas no Pará entre 1995 e 2008, com efetiva libertação (11.035 libertados), somente 204 geraram Ação Penal, sendo 144 efetivadas entre 2007 e 2008. No Tocantins, equiparado com o Mato Grosso e o Maranhão nesse deplorável ranking, 107 fiscalizações do mesmo período libertaram 1.909 escravos, mas resultaram em somente 21 Ações Penais.

Tamanho déficit na ação da justiça resulta cumulativamente da não-conclusão de centenas de Inquéritos criminais de competência da Polícia Federal, da inércia do Ministério Público, da lerdeza calculada do Judiciário. Por outro lado, para explicar essa incipiente retomada, reconhece o Juiz Haddad: "Tudo decorre da ênfase dada às fiscalizações pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos últimos anos. O trabalho do grupo móvel, traduzido nas ações dos procuradores, gerou mais processos na Justiça. A fiscalização mais intensa possibilita que haja mais decisões e punições em casos de trabalho escravo".

As atuais condenações ganham especial relevância no contexto da polêmica latente, alimentada pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária) e sua bancada ruralista, sobre a natureza da escravidão contemporânea no âmbito do "moderno" agronegócio brasileiro, e sobre seu conceito legal. O entendimento expressado pelo Juiz Federal de Marabá está em perfeita sintonia com a letra e o espírito da lei quando afirma que "a lesão à liberdade pessoal provocada pelo crime de redução à condição análoga à de escravo não se restringe a impedir a liberdade de locomoção das pessoas. A proteção prevista em lei dirige-se à liberdade pessoal, na qual se inclui a liberdade de autodeterminação, em que a pessoa tem a faculdade de decidir o que fazer, como, quando e onde fazer", o que não é possível para alguém submetido a condições degradantes ou mesmo a trabalho forçado, as duas hipóteses constitutivas do tipo penal.

Além de irreversíveis danos ao meio ambiente e aos territórios de comunidades tradicionais, o desenfreado avanço do agronegócio sobre as terras do cerrado e da floresta têm resultado até hoje na afronta brutal aos direitos do trabalhador, culminando no recrudescimento do trabalho escravo. Tratados como mero insumo e mercadoria descartável no processo produtivo, 5.244 brasileiros e brasileiras foram libertados da escravidão em 2008, o segundo recorde histórico desde 1995.

Esse escândalo tem que acabar.

Oxalá a Justiça brasileira acorde de vez e cumpra enfim seu papel constitucional, punindo os verdadeiros criminosos de forma dissuasiva, amparando as vítimas e estimulando a sociedade civil a continuar se mobilizando pelo direito de todos à terra e à dignidade.

Coordenação Nacional da CPT
Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo

 

 

publicado por encontromarcado às 11:29

 

 

Nesta quarta-feira, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, excomungou médicos do SUS que praticaram um aborto numa menina de nove anos estuprada pelo padrasto. Para justificar sua postura, declarou: ‘A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Então, quando uma lei humana, quer dizer, uma lei promulgada pelos legisladores humanos, é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor’. Sobre o mesmo fato, o Ministro Temporão, da Saúde, declarou o seguinte: ‘Fiquei chocado com os dois fatos: com o que aconteceu com a menina e com a posição desse religioso que, equivocadamente, ao dizer que defende uma vida, coloca em risco uma outra tão importante’.
Estamos diante de discursos opostos. Enquanto o bispo afirma que seu discurso é universal e, portanto, se aplica a qualquer situação, o ministro parte da necessidade de se adequar discurso e realidade concreta. Para o bispo, o fato (um aborto) está subordinado ao conceito (o aborto); para o ministro, o fato origina o conceito. O ministro parte da análise de fatos concretos para emitir seu juízo; o bispo engloba fatos concretos dentro de uma conceituação universal.

Aqui não se trata apenas de um embate entre um bispo fundamentalista e um ministro de mentalidade aberta. Trata-se de leituras opostas da realidade. O bispo parte da idéia de que ‘conceitos’ (sagrados) dispensam averiguação de fatos, pois ‘captam’ em si a realidade. A idéia é: ‘Aborto é aborto, em qualquer circunstância’. Ao afirmar que o aborto de uma menina de nove anos, estuprada, constitui um pecado contra a lei divina (e, portanto, universal), o bispo parte do pressuposto de que existe um discurso que ‘capta’ tudo o que existe no mundo, sem nenhuma averiguação de circunstâncias. Essa maneira de pensar está em flagrante oposição ao que nos ensina o maior teólogo do cristianismo, Santo Tomás de Aquino, quando afirma: ‘Nada há na inteligência que não provenha dos sentidos (nossos cinco sentidos corporais)’. Santo Tomás diz que o conhecimento humano, para ser verdadeiro, tem de partir necessariamente da observação (visão, audição, etc.) de fatos.

Ao longo da história ocidental, a não-observância dessa sábia orientação tem originado desastres de enormes dimensões e muitos sofrimentos inúteis. Em nome do conceito ‘heresia’ instalou-se a inquisição, em nome da ‘guerra contra os infiéis’ organizaram-se as cruzadas, em nome da ‘pureza racial’ o nazismo acendeu os fornos de Auschwitz, em nome da ‘war on terror’ Bush - ainda recentemente - mandou invadir o Iraque, em nome da ‘moralidade’ um bispo austríaco declarou - uns dias atrás - que a Katrina (furacão que devastou New Orleans) era um ‘castigo de Deus’ (talvez por causa das clínicas autorizadas de aborto existentes na cidade).

O bispo de Recife está igualmente em descompasso com seus colegas que redigiram, em 2007, o ‘Documento de Aparecida’ baseado no princípio tomista do ‘ver, julgar, agir’. Não se pode agir (nem falar publicamente) sem antes ‘ver’ (observar o fato concreto) e ‘julgar’ (formar uma idéia a partir da observação da realidade). Afirmar, sem pesquisar fatos concretos, que terrorismo é terrorismo, heresia é heresia, homossexualidade é homossexualidade, divórcio é divórcio, guerra santa é guerra santa, aborto é aborto, pode levar a comunidade humana à repetição dos piores desastres.

Os médicos do SUS de Recife, dando seus depoimentos, partiram da averiguação de fatos. O bispo de Recife, pelo contrário, abusa da autoridade e se apropria de um discurso que não lhe compete, ao pregar a desobediência a leis devidamente estabelecidas numa sociedade laica e democrática. É preocupante constatar que esse discurso perigoso não receba o devido repúdio, depois de tantas lições do passado. Tocou-me a palavra do Ministro Temporão quando disse que ficou ‘chocado’. Eu também fiquei.

 

Eduardo Hoonaert *
* Historiador

publicado por encontromarcado às 11:28

Março 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6
7

8
9
10
11
13
14

15
16
17
18
19
20
21

22
23
24
25
26
27
28

29
30


subscrever feeds
mais sobre mim
pesquisar
 
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

blogs SAPO